Criatividade e Originalidade
HISTÓRIA DA ARTE
A Criatividade
O que significa criar? Se, com o intuito de simplificar o problema, nos concentramos nas artes visuais, podemos dizer que a obra de arte deve ser um objetivo tangível a que certas mãos humanas deram forma. Esta definição impede, pelo menos, que se considerem obras de arte as flores, as conchas, um pôr-de-sol, etc., mas é pouco satisfatória, pois a atividade criadora do homem não se limita às obras de arte. Todavia, pode servir-nos de ponto de partida. Consideremos agora a surpreendente Cabeça de Touro (abaixo), de Picasso, formada apenas pelo selim e pelo guidão de uma bicicleta velha. Até que ponto a nossa definição é aplicável neste caso? É claro que são peças fabricadas pelo homem, mas seria absurdo dizer que Picasso devia partilhar o mérito da criação com o fabricante da bicicleta, visto que o selim e o guidão não são propriamente trabalho artístico.
Conquanto sintamos um certo choque ao reconhecer, pela primeira vez, os ingredientes deste trocadilho visual, compreendemos também que foi um lance de gênio ter criado aquela associação única, à qual não é fácil negar a qualidade de obra de arte. Se a montagem do selim e do guidão é de uma simplicidade ridícula, o que está longe de ser simples é aquele rasgo imaginativo pelo qual Picasso reconheceu uma cabeça de touro na inverossímil combinação desses objetos: sentimos que só ele se lembraria disso. É evidente, portanto, que não se deve confundir a realização de uma obra de arte com a perícia manual ou artesanal, apesar de algumas criações poderem exigir grande soma de disciplina técnica, desnecessária para outras. A mais esmerada produção de artesanato não merecerá a designação de obra de arte se lhe faltar o tal rasgo imaginativo.
Mas, se é assim, não deveríamos concluir que a criação real da Cabeça de Touro se efetuou na mente do artista? Não, também não é assim. Suponhamos que, em vez de ligar realmente as duas peças e nos mostrar, Picasso nos dissesse simplesmente: “Vi hoje um selim e um guidão de bicicleta que me lembraram a cabeça de um touro”. Então, ninguém pensaria em obras de arte, tal observação sequer despertaria curiosidade no decorrer da conversa. Além disso, o próprio Picasso não sentiria o contentamento de ter criado qualquer coisa a partir, apenas, da sua imaginação. Uma vez concebido o seu trocadilho visual, apenas dando-lhe corpo poderia ter a certeza de que ele era artisticamente válido.
Portanto, as mãos do artista, por modesta que seja a tarefa que venham a realizar, desempenham um papel essencial no processo criador. Esta Cabeça de Touro é, sem dúvida, um caso idealmente simples, implicando um único lance imaginativo e a manipulação elementar correspondente – pois logo que o selim foi preso ao guidão como deveria ser, a obra ficou pronta. Este salto da imaginação surge, por vezes, como um rasgo de inspiração, mas só muito raramente uma idéia nova nasce de corpo inteiro, como Atena da cabeça de Zeus. Há em geral um longo período de gestação, de busca árdua para encontrar a chave do problema. No momento crítico, a imaginação relaciona o que parecia não haver qualquer relação e dá-lhe forma nova.
Geralmente, os artistas não trabalham com peças pré-fabricadas mas com matérias em bruto, sem forma definida. O processo criador consiste numa longa série de rasgos de imaginação e nas tentativas do artista para lhes dar forma correspondente no material. A mão procura levar a cabo as exigências da imaginação e confiadamente dá uma pincelada, mas o resultado pode não ser o que se esperava, não só porque toda a matéria oferece resistência à vontade humana como, também, porque a imagem no espírito do artista está em contínua mudança e por isso são vagas e flutuantes as diretrizes da imaginação. De fato, a imagem mental só começa a tornar-se nítida quando o artista executa o primeiro traço, que logo se torna parte da imagem – a única parte fixa -, o resto, ainda por nascer, permanece fluido. E, a cada vez que o artista acrescenta um traço novo, necessita de outro salto de imaginação para o integrar na sua imagem mental em incessante crescimento . Se não puder incorporá-lo, rejeita-o e traça outro.
Desta maneira, por um constante fluxo e refluxo de impulsos entre o seu espírito e o material parcialmente configurado que tem diante de si, o artista define, pouco a pouco, a imagem , até que ela ganhe forma. É claro que a criação artística é uma experiência muito sutil e íntima, impossível de descrever passo a passo. Só o próprio artista pode observá-la plenamente, mas fica de tal modo absorvido por ela que tem muita dificuldade em explicá-la.
Entretanto, esta metáfora do nascimento encontra-se mais perto da verdade que qualquer descrição do processo criador visto como transferência ou projeção de imagem da mente do artista, porque a execução de uma obra de arte é, ao mesmo tempo, alegre e dolorosa, repleta de surpresas e de nenhum modo automática. Além disso, temos provas de sobra de que os próprios artistas tendem a encarar a sua obra como coisa viva. Talvez por isso a criatividade tenha sido durante muito tempo um conceito reservado à divindade, pois só ela podia dar forma a uma idéia . Na verdade, os esforços do artista lembram a Criação, tal como é descrita na Bíblia, mas ninguém se apercebeu desta capacidade divina até que Michelangelo, que descreveu melhor do que ninguém a e angústia e a glória da experiência artística, falasse em “libertar a figura prisioneira do mármore”. Por estas palavras, talvez possamos entender que ele, ao começar a esculpir, já antevia uma figura no bloco em bruto. (Algumas vezes isso lhe acontecia perante o mármore ainda por arrancar da pedreira. Sabemos que gostava de ir escolher os blocos no próprio local da extração.).
Tudo leva a crer que de início não visse a figura imaginada com clareza, tal como não se pode ver nitidamente uma criança no ventre materno, mas é de crer que fosse capaz de distinguir “sinais de vida” isolados dentro do mármore, como um joelho ou um cotovelo aflorando à superfície. A fim de captar com mais firmeza essa obscura percepção, essa imagem vaga, tinha o costume de fazer inúmeros desenhos, por vezes até pequenos modelos em cera ou em barro, antes de se atrever a afrontar a “prisão de mármore”, porque já sabia que iria travar, então, a luta final contra a matéria. Logo que começava a esculpi-la, cada talhe de cinzel cingia-o mais e mais a uma determinada concepção de imagem oculta no bloco, a qual só poderia ser inteiramente liberta se fosse correta a sua previsão de forma que nele devia estar contida.
Quando a conjectura não era a adequada, a pedra negava-se a “dar” qualquer parte essencial do seu “prisioneiro” e Michelangelo, vencido, deixava o trabalho incompleto, como aconteceu com o S. Mateus , cujos gestos parecem evocar o frustrado combate para libertá-lo. Observando de perfil o bloco, apercebemo-nos um pouco das dificuldades do artista. Mas não poderia ter encontrado outra maneira de acabar a obra? Sobrava bastante pedra e era, sem dúvida, capaz de fazê-lo, mas não como queria, e nesse caso ainda mais lhe doeria o fracasso.
É evidente, portanto, que a elaboração de uma obra de arte pouco se assemelha ao que vulgarmente se entende por “fazer”. Trata-se de uma atividade estranha e arriscada, na qual o executante nunca entende bem o que está fazendo enquanto não der a obra por finda. Em outras palavras, é um jogo de esconde-esconde em que apenas se sabe o que se procura quando se chega a encontrá-lo (Na Cabeça de Touro, é o arrojo do “achado” que nos impressiona mais, no S. Mateus, é o esforço da busca).
Quem não for artista terá dificuldade em acreditar que esta incerteza, esta necessidade de arriscar possa constituir a verdadeira essência do trabalho criador. Todos nós temos a tendência de definir o “fazer” segundo os critérios do artífice ou do fabricante, que sabe exatamente o que quer produzir, desde o princípio, e escolhe as ferramentas mais adequadas à tarefa, ciente, a cada passo, do que vai executar. Este “fazer” compreende duas fases: primeiro, o artífice traça um plano, depois executa-o. E como ele (ou o seu cliente) já tomou de antemão todas as decisões importantes tem de preocupar-se apenas com os meios de realizar o projeto antecipadamente definido. O seu trabalho não implica assim muitos riscos, mas falta-lhe também o espírito de aventura, pelo que tende a cair na rotina, podendo mesmo ser realizado por qualquer máquina mais ou menos automática.
Pelo contrário, nenhuma máquina pode substituir o artista, porque nele a concepção e a execução andam de mãos dadas e mostram-se tão dependentes uma da outra que é impossível separá-las. Enquanto o artífice apenas irá fazer o que já sabe que é possível, o artista é sempre levado a tentar o impossível – ou, pelo menos, o improvável ou o inimaginável. Quem, afinal, seria capaz de supor que havia uma cabeça de touro oculta no selim e no guidão de uma bicicleta até o momento em que Picasso a descobriu? Pode-se dizer, neste caso, literalmente, que de pedras fez pão... Não admira, pois, que o modo de trabalhar do artista seja irredutível a regras preestabelecidas, ao passo que a tarefa do artífice é repetitiva, obedece a normas estáveis. Reconhecemos essa diferença quando afirmamos que o artista cria obras de arte, e que não fabrica pura e simplesmente coisas, embora a palavra comece a estar muito gasta de tanto ser usada hoje em dia para descrever todas as crianças e todos os fabricantes de batons como “criativos”.
É desnecessário dizer que sempre houve muito mais artífices do que artistas, pois a necessidade de que já conhecemos e esperamos excede em muito a nossa capacidade de assimilar as experiências novas e tantas vezes profundamente perturbadoras que os dão as obras de arte.O anseio de penetra em regiões desconhecidas, de realizar algo de inédito, talvez se apodere de todos nós de vez em quando. Assim todos podemos imaginar-nos artistas potenciais – mudos poetas inglórios. O que distingue o artista não é tanto o desejo de buscar, como a misteriosa capacidade de encontrar a que chamamos talento. Faculdade de que se fala como sendo um dom, uma dádiva de um poder superior ou “gênio”, termo que, a princípio, designava uma entidade sobre-humana – uma espécie de demônio benéfico que residia no artista e agia através dele.
Quanto ao talento, apenas podemos dizer que não deve ser confundido com aptidão. Esta é uma capacidade acima do comum para fazer qualquer coisa ao alcance de toda a gente. Em regra, as aptidões são constantes e específicas, podem ser avaliadas com relativa certeza, mediante provas que nos deixam prever o que cada um será capaz de executar. Pelo contrário, o talento criador parece completamente imprevisível, só damos por ele depois de se ter manifestado em alguma obra, e as realizações passadas de um determinado artista não garantem que ele continue a manter a capacidade de inventar. Alguns atingem cedo o apogeu criador e logo se lhe seca a veia imaginativa; outros, cujo despertar artístico foi tardio e pouco prometedor, conseguem levar a cabo obras de admirável originalidade durante a idade madura e até na velhice.
A Originalidade
Por conseguinte, o que distingue a arte do artesanato é a originalidade. Podemos até afirmar que esta é a pedra de toque da grandeza ou da importância artística. Infelizmente, também é muito difícil defini-la, os sinônimos correntes – raridade, novidade, frescor - não nos trazem grande ajuda e os dicionários apenas nos dizem que um trabalho original não deve ser uma cópia. Assim, se quisermos classificar as criações artísticas segundo uma “escala de originalidade”, o nosso problema não consistirá em decidir se a obra em causa é de fato original (é fácil eliminar a maioria das cópias e das reproduções flagrantes) mas em estabelecer com precisão o grau de originalidade alcançado, tarefa que não é impossível. Simplesmente, encontraremos dificuldades de tal ordem que apenas podemos esperar soluções aproximadas ou incompletas. O que não quer, de modo algum, dizer que devemos desistir. Muito pelo contrário, pois seja qual for o resultado dos nossos esforços teremos certamente aprendido mais alguma coisa acerca das obras de arte em geral.
Uma cópia fiel pode reconhecer-se em regra pela sua própria evidência interna. Se o copista não passar de um artífice consciencioso (em vez de um autêntico artista), fará trabalho hábil, cuja execução parecerá trivial e, por isso mesmo, discordante da concepção da obra. Também deixará escapar pequenas negligências e erros que saltarão à vista como “gatos” num texto. Que acontecerá, porém, se um grande artista copiar outro? Ao servir-se de outra obra como modelo, o artista não estará realmente copiando, no sentido comum do termo, visto que não tenta obter o efeito de uma simples cópia. Ele o faz apenas para se instruir, copiando com rigor mas transmitindo-lhe o seu próprio e inimitável ritmo. Em outras palavras, em nada se sentiu constrangido ou intimidado por tomar como modelo outra obra de arte . Assim que se compreende isto, torna-se evidente que o artista representa (e portanto não copia) a outra obra, e que a sua originalidade artística nada sofre com isso.
Uma relação assim tão estreita entre duas obras de arte surge com mais freqüência do que seria de esperar, embora a ligação seja geralmente menos evidente. O célebre quadro de Manet Le Déjeuner sur l’Herbe pareceu uma obra tão revolucionária, quando exibido pela primeira vez, há pouco mais de um século, que causou escândalo, em parte pelo fato de o artista ter ousado representar uma mulher jovem despida, junto de dois homens elegantemente trajados.Só passados muitos anos um historiador de arte descobriu a origem do grupo: uma gravura, representando divindades clássicas, feitas segundo um desenho de Rafael. A relação, evidentíssima desde que foi apontada, passara despercebida, porque Manet não copiou nem representou a composição de Rafael – apenas tirou dela os traços principais, transpondo as figuras em termos modernos.
Se os seus contemporâneos tivessem percebido a relação, o Déjeuner não lhes teria parecido tão impudico, porque então pairaria sobre o quadro a figura consagrada de Rafael, a dar-lhe respeitabilidade. (Talvez o artista tenha querido irritar o público conservador, com a esperança de que,passado o choque inicial, alguém desse pela “citação”, bem escondida atrás daquele grupo “escandaloso”). Para nós, o resultado principal da comparação é o realçar ainda mais a qualidade, tão fria quanto formal, das figuras de Manet.
Mas ficará por isso diminuído o nosso respeito pela sua originalidade? É verdade que Manet é “devedor” de Rafael. Não obstante, a sua maneira de dar vida nova à velha e esquecida composição pagou amplamente a dívida contraída. Aliás, também as figuras de Rafael foram derivadas, e provêm de fontes ainda mais antigas que remontam à Roma clássica e até antes dela.
Assim, Manet, Rafael e as divindades romanas formam três elos de uma cadeia de relações que surgiu algures num passado obscuro e distante e que continuará a prolongar-se pelo futuro, pois o Déjeuner sur l’Herbe também já serviu de modelo a trabalhos mais recentes. E o caso não é excepcional. Todas as obras de arte, seja onde for – incluindo obras como a Cabeça de Touro de Picasso -, estão ligadas às suas antecessoras por elos semelhantes. Se é verdade que “nenhum homem é uma ilha”, o mesmo se pode dizer das obras de arte. O conjunto destas cadeias forma uma espécie de teia, a que damos o nome de tradição, na qual cada obra ocupa um lugar específico. Sem tradição (ou seja, “o que nos foi transmitido”), nenhuma originalidade seria possível, pois é ela que proporciona ao artista a plataforma segura que lhe serve de trampolim para a imaginação criadora. E o que ele venha a fazer servirá, por sua vez, de ponto de partida para outros.
Quer percebamos isso ou não, também para nós a tradição é essencial, pois nela assentam as estruturas mentais onde se formam os conceitos, juízos e opiniões a respeito da arte. Mas não nos devemos esquecer de que os nossos juízos devem estar sempre sujeitos a uma revisão constante. Para que conseguíssemos chegar a ter uma opinião definitiva, teríamos de abranger todos os elos de cada cadeia numa visão de conjunto. E isso estará sempre fora do nosso alcance.
Se a originalidade é o que distingue a arte do artesanato, a tradição é o terreno comum a ambos. Cada artista que desponta começa por trabalhar no plano do artesanato, imitando obras anteriores. Desta maneira, vai assimilando gradualmente a tradição artística do seu tempo e lugar até conseguir possuí-la com segurança. Mas apenas os verdadeiramente dotados passam além desta fase de simples perícia artesanal e se tornam criadores por direito próprio. Ninguém, afinal, pode ser ensinado a criar; quando muito, ficará conhecendo os processos da criação. Só o artista com algum talento chegará a realizar obras originais. O aprendiz ou estudante de belas-artes aprende as técnicas e talvez a perícia manual – os meios consagrados de desenhar, de pintar, de gravar, de compor – e os modos consagrados de ver.
Se se aperceber de que os seus dotes para a pintura, a escultura ou a arquitetura são limitados, é provável que acabe por se encaminha para qualquer desses inúmeros domínios especiais, conhecidos pela designação geral de “artes aplicadas”. Aí poderá exercer uma atividade frutuosa em escala mais modesta: ser um ilustrador, um tipógrafo ou um decorador; desenhar padrões têxteis, louças, mobílias, vestuário, cartazes, etc., atividades situadas em algum lugar entre a arte “pura” e o simples artesanato. Apesar de proporcionarem oportunidades para realizações originais, o fluxo do esforço criador ficará sempre delimitado por certos fatores, como o custo e disponibilidade dos materiais e dos processos de fabricação, ou pelas idéias correntes acerca do que pareça mais conveniente e desejável, porque estas artes “aplicadas” estão profundamente ligadas às necessidades cotidianas e, por isso, dirigem-se a uma clientela muito maior que a da pintura ou da escultura.
A finalidade das artes aplicadas é embelezar o útil, sem dúvida um propósito importante e respeitável mas de nível inferior ao da arte propriamente dita. Às vezes, no entanto, torna-se difícil estabelecer a linha de separação entre esta e as outras. A pintura medieval, por exemplo, é, em larga medida, arte aplicada, pois serve para dar beleza a superfícies de caráter utilitário: paredes , páginas de livros, janelas, mobiliários, etc. O mesmo se pode dizer de numerosas esculturas antigas e medievais. E os vasos gregos, como teremos ocasião de ver, apesar de tecnicamente se encontrarem incluídos na olaria doméstica, foram muitas vezes decorados por artistas de espantoso talento. Na arquitetura é impossível manter a distinção, pois a planta e a elevação de qualquer edifício, desde a casa rústica à catedral, refletem as limitações externas impostas pela localização, preços de custo , materiais , técnicas, bem como pelas finalidades práticas da obra, etc. (a única arquitetura “pura” é a arquitetura imaginária). Deste modo, teremos de considerá-la, por definição, como uma arte utilitária ou “aplicada”, sem deixar por isso de ser uma arte “maior” (por oposição às artes aplicadas, industriais ou decorativas, que se designam , em conjunto, como artes “menores”)
O próximo artigo desta série é GOSTAR E NÃO GOSTAR
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A Criatividade
O que significa criar? Se, com o intuito de simplificar o problema, nos concentramos nas artes visuais, podemos dizer que a obra de arte deve ser um objetivo tangível a que certas mãos humanas deram forma. Esta definição impede, pelo menos, que se considerem obras de arte as flores, as conchas, um pôr-de-sol, etc., mas é pouco satisfatória, pois a atividade criadora do homem não se limita às obras de arte. Todavia, pode servir-nos de ponto de partida. Consideremos agora a surpreendente Cabeça de Touro (abaixo), de Picasso, formada apenas pelo selim e pelo guidão de uma bicicleta velha. Até que ponto a nossa definição é aplicável neste caso? É claro que são peças fabricadas pelo homem, mas seria absurdo dizer que Picasso devia partilhar o mérito da criação com o fabricante da bicicleta, visto que o selim e o guidão não são propriamente trabalho artístico.
Conquanto sintamos um certo choque ao reconhecer, pela primeira vez, os ingredientes deste trocadilho visual, compreendemos também que foi um lance de gênio ter criado aquela associação única, à qual não é fácil negar a qualidade de obra de arte. Se a montagem do selim e do guidão é de uma simplicidade ridícula, o que está longe de ser simples é aquele rasgo imaginativo pelo qual Picasso reconheceu uma cabeça de touro na inverossímil combinação desses objetos: sentimos que só ele se lembraria disso. É evidente, portanto, que não se deve confundir a realização de uma obra de arte com a perícia manual ou artesanal, apesar de algumas criações poderem exigir grande soma de disciplina técnica, desnecessária para outras. A mais esmerada produção de artesanato não merecerá a designação de obra de arte se lhe faltar o tal rasgo imaginativo.
Mas, se é assim, não deveríamos concluir que a criação real da Cabeça de Touro se efetuou na mente do artista? Não, também não é assim. Suponhamos que, em vez de ligar realmente as duas peças e nos mostrar, Picasso nos dissesse simplesmente: “Vi hoje um selim e um guidão de bicicleta que me lembraram a cabeça de um touro”. Então, ninguém pensaria em obras de arte, tal observação sequer despertaria curiosidade no decorrer da conversa. Além disso, o próprio Picasso não sentiria o contentamento de ter criado qualquer coisa a partir, apenas, da sua imaginação. Uma vez concebido o seu trocadilho visual, apenas dando-lhe corpo poderia ter a certeza de que ele era artisticamente válido.
Portanto, as mãos do artista, por modesta que seja a tarefa que venham a realizar, desempenham um papel essencial no processo criador. Esta Cabeça de Touro é, sem dúvida, um caso idealmente simples, implicando um único lance imaginativo e a manipulação elementar correspondente – pois logo que o selim foi preso ao guidão como deveria ser, a obra ficou pronta. Este salto da imaginação surge, por vezes, como um rasgo de inspiração, mas só muito raramente uma idéia nova nasce de corpo inteiro, como Atena da cabeça de Zeus. Há em geral um longo período de gestação, de busca árdua para encontrar a chave do problema. No momento crítico, a imaginação relaciona o que parecia não haver qualquer relação e dá-lhe forma nova.
Geralmente, os artistas não trabalham com peças pré-fabricadas mas com matérias em bruto, sem forma definida. O processo criador consiste numa longa série de rasgos de imaginação e nas tentativas do artista para lhes dar forma correspondente no material. A mão procura levar a cabo as exigências da imaginação e confiadamente dá uma pincelada, mas o resultado pode não ser o que se esperava, não só porque toda a matéria oferece resistência à vontade humana como, também, porque a imagem no espírito do artista está em contínua mudança e por isso são vagas e flutuantes as diretrizes da imaginação. De fato, a imagem mental só começa a tornar-se nítida quando o artista executa o primeiro traço, que logo se torna parte da imagem – a única parte fixa -, o resto, ainda por nascer, permanece fluido. E, a cada vez que o artista acrescenta um traço novo, necessita de outro salto de imaginação para o integrar na sua imagem mental em incessante crescimento . Se não puder incorporá-lo, rejeita-o e traça outro.
Desta maneira, por um constante fluxo e refluxo de impulsos entre o seu espírito e o material parcialmente configurado que tem diante de si, o artista define, pouco a pouco, a imagem , até que ela ganhe forma. É claro que a criação artística é uma experiência muito sutil e íntima, impossível de descrever passo a passo. Só o próprio artista pode observá-la plenamente, mas fica de tal modo absorvido por ela que tem muita dificuldade em explicá-la.
Entretanto, esta metáfora do nascimento encontra-se mais perto da verdade que qualquer descrição do processo criador visto como transferência ou projeção de imagem da mente do artista, porque a execução de uma obra de arte é, ao mesmo tempo, alegre e dolorosa, repleta de surpresas e de nenhum modo automática. Além disso, temos provas de sobra de que os próprios artistas tendem a encarar a sua obra como coisa viva. Talvez por isso a criatividade tenha sido durante muito tempo um conceito reservado à divindade, pois só ela podia dar forma a uma idéia . Na verdade, os esforços do artista lembram a Criação, tal como é descrita na Bíblia, mas ninguém se apercebeu desta capacidade divina até que Michelangelo, que descreveu melhor do que ninguém a e angústia e a glória da experiência artística, falasse em “libertar a figura prisioneira do mármore”. Por estas palavras, talvez possamos entender que ele, ao começar a esculpir, já antevia uma figura no bloco em bruto. (Algumas vezes isso lhe acontecia perante o mármore ainda por arrancar da pedreira. Sabemos que gostava de ir escolher os blocos no próprio local da extração.).
Tudo leva a crer que de início não visse a figura imaginada com clareza, tal como não se pode ver nitidamente uma criança no ventre materno, mas é de crer que fosse capaz de distinguir “sinais de vida” isolados dentro do mármore, como um joelho ou um cotovelo aflorando à superfície. A fim de captar com mais firmeza essa obscura percepção, essa imagem vaga, tinha o costume de fazer inúmeros desenhos, por vezes até pequenos modelos em cera ou em barro, antes de se atrever a afrontar a “prisão de mármore”, porque já sabia que iria travar, então, a luta final contra a matéria. Logo que começava a esculpi-la, cada talhe de cinzel cingia-o mais e mais a uma determinada concepção de imagem oculta no bloco, a qual só poderia ser inteiramente liberta se fosse correta a sua previsão de forma que nele devia estar contida.
Quando a conjectura não era a adequada, a pedra negava-se a “dar” qualquer parte essencial do seu “prisioneiro” e Michelangelo, vencido, deixava o trabalho incompleto, como aconteceu com o S. Mateus , cujos gestos parecem evocar o frustrado combate para libertá-lo. Observando de perfil o bloco, apercebemo-nos um pouco das dificuldades do artista. Mas não poderia ter encontrado outra maneira de acabar a obra? Sobrava bastante pedra e era, sem dúvida, capaz de fazê-lo, mas não como queria, e nesse caso ainda mais lhe doeria o fracasso.
É evidente, portanto, que a elaboração de uma obra de arte pouco se assemelha ao que vulgarmente se entende por “fazer”. Trata-se de uma atividade estranha e arriscada, na qual o executante nunca entende bem o que está fazendo enquanto não der a obra por finda. Em outras palavras, é um jogo de esconde-esconde em que apenas se sabe o que se procura quando se chega a encontrá-lo (Na Cabeça de Touro, é o arrojo do “achado” que nos impressiona mais, no S. Mateus, é o esforço da busca).
Quem não for artista terá dificuldade em acreditar que esta incerteza, esta necessidade de arriscar possa constituir a verdadeira essência do trabalho criador. Todos nós temos a tendência de definir o “fazer” segundo os critérios do artífice ou do fabricante, que sabe exatamente o que quer produzir, desde o princípio, e escolhe as ferramentas mais adequadas à tarefa, ciente, a cada passo, do que vai executar. Este “fazer” compreende duas fases: primeiro, o artífice traça um plano, depois executa-o. E como ele (ou o seu cliente) já tomou de antemão todas as decisões importantes tem de preocupar-se apenas com os meios de realizar o projeto antecipadamente definido. O seu trabalho não implica assim muitos riscos, mas falta-lhe também o espírito de aventura, pelo que tende a cair na rotina, podendo mesmo ser realizado por qualquer máquina mais ou menos automática.
Pelo contrário, nenhuma máquina pode substituir o artista, porque nele a concepção e a execução andam de mãos dadas e mostram-se tão dependentes uma da outra que é impossível separá-las. Enquanto o artífice apenas irá fazer o que já sabe que é possível, o artista é sempre levado a tentar o impossível – ou, pelo menos, o improvável ou o inimaginável. Quem, afinal, seria capaz de supor que havia uma cabeça de touro oculta no selim e no guidão de uma bicicleta até o momento em que Picasso a descobriu? Pode-se dizer, neste caso, literalmente, que de pedras fez pão... Não admira, pois, que o modo de trabalhar do artista seja irredutível a regras preestabelecidas, ao passo que a tarefa do artífice é repetitiva, obedece a normas estáveis. Reconhecemos essa diferença quando afirmamos que o artista cria obras de arte, e que não fabrica pura e simplesmente coisas, embora a palavra comece a estar muito gasta de tanto ser usada hoje em dia para descrever todas as crianças e todos os fabricantes de batons como “criativos”.
É desnecessário dizer que sempre houve muito mais artífices do que artistas, pois a necessidade de que já conhecemos e esperamos excede em muito a nossa capacidade de assimilar as experiências novas e tantas vezes profundamente perturbadoras que os dão as obras de arte.O anseio de penetra em regiões desconhecidas, de realizar algo de inédito, talvez se apodere de todos nós de vez em quando. Assim todos podemos imaginar-nos artistas potenciais – mudos poetas inglórios. O que distingue o artista não é tanto o desejo de buscar, como a misteriosa capacidade de encontrar a que chamamos talento. Faculdade de que se fala como sendo um dom, uma dádiva de um poder superior ou “gênio”, termo que, a princípio, designava uma entidade sobre-humana – uma espécie de demônio benéfico que residia no artista e agia através dele.
Quanto ao talento, apenas podemos dizer que não deve ser confundido com aptidão. Esta é uma capacidade acima do comum para fazer qualquer coisa ao alcance de toda a gente. Em regra, as aptidões são constantes e específicas, podem ser avaliadas com relativa certeza, mediante provas que nos deixam prever o que cada um será capaz de executar. Pelo contrário, o talento criador parece completamente imprevisível, só damos por ele depois de se ter manifestado em alguma obra, e as realizações passadas de um determinado artista não garantem que ele continue a manter a capacidade de inventar. Alguns atingem cedo o apogeu criador e logo se lhe seca a veia imaginativa; outros, cujo despertar artístico foi tardio e pouco prometedor, conseguem levar a cabo obras de admirável originalidade durante a idade madura e até na velhice.
A Originalidade
Por conseguinte, o que distingue a arte do artesanato é a originalidade. Podemos até afirmar que esta é a pedra de toque da grandeza ou da importância artística. Infelizmente, também é muito difícil defini-la, os sinônimos correntes – raridade, novidade, frescor - não nos trazem grande ajuda e os dicionários apenas nos dizem que um trabalho original não deve ser uma cópia. Assim, se quisermos classificar as criações artísticas segundo uma “escala de originalidade”, o nosso problema não consistirá em decidir se a obra em causa é de fato original (é fácil eliminar a maioria das cópias e das reproduções flagrantes) mas em estabelecer com precisão o grau de originalidade alcançado, tarefa que não é impossível. Simplesmente, encontraremos dificuldades de tal ordem que apenas podemos esperar soluções aproximadas ou incompletas. O que não quer, de modo algum, dizer que devemos desistir. Muito pelo contrário, pois seja qual for o resultado dos nossos esforços teremos certamente aprendido mais alguma coisa acerca das obras de arte em geral.
Uma cópia fiel pode reconhecer-se em regra pela sua própria evidência interna. Se o copista não passar de um artífice consciencioso (em vez de um autêntico artista), fará trabalho hábil, cuja execução parecerá trivial e, por isso mesmo, discordante da concepção da obra. Também deixará escapar pequenas negligências e erros que saltarão à vista como “gatos” num texto. Que acontecerá, porém, se um grande artista copiar outro? Ao servir-se de outra obra como modelo, o artista não estará realmente copiando, no sentido comum do termo, visto que não tenta obter o efeito de uma simples cópia. Ele o faz apenas para se instruir, copiando com rigor mas transmitindo-lhe o seu próprio e inimitável ritmo. Em outras palavras, em nada se sentiu constrangido ou intimidado por tomar como modelo outra obra de arte . Assim que se compreende isto, torna-se evidente que o artista representa (e portanto não copia) a outra obra, e que a sua originalidade artística nada sofre com isso.
Uma relação assim tão estreita entre duas obras de arte surge com mais freqüência do que seria de esperar, embora a ligação seja geralmente menos evidente. O célebre quadro de Manet Le Déjeuner sur l’Herbe pareceu uma obra tão revolucionária, quando exibido pela primeira vez, há pouco mais de um século, que causou escândalo, em parte pelo fato de o artista ter ousado representar uma mulher jovem despida, junto de dois homens elegantemente trajados.Só passados muitos anos um historiador de arte descobriu a origem do grupo: uma gravura, representando divindades clássicas, feitas segundo um desenho de Rafael. A relação, evidentíssima desde que foi apontada, passara despercebida, porque Manet não copiou nem representou a composição de Rafael – apenas tirou dela os traços principais, transpondo as figuras em termos modernos.
Se os seus contemporâneos tivessem percebido a relação, o Déjeuner não lhes teria parecido tão impudico, porque então pairaria sobre o quadro a figura consagrada de Rafael, a dar-lhe respeitabilidade. (Talvez o artista tenha querido irritar o público conservador, com a esperança de que,passado o choque inicial, alguém desse pela “citação”, bem escondida atrás daquele grupo “escandaloso”). Para nós, o resultado principal da comparação é o realçar ainda mais a qualidade, tão fria quanto formal, das figuras de Manet.
Mas ficará por isso diminuído o nosso respeito pela sua originalidade? É verdade que Manet é “devedor” de Rafael. Não obstante, a sua maneira de dar vida nova à velha e esquecida composição pagou amplamente a dívida contraída. Aliás, também as figuras de Rafael foram derivadas, e provêm de fontes ainda mais antigas que remontam à Roma clássica e até antes dela.
Assim, Manet, Rafael e as divindades romanas formam três elos de uma cadeia de relações que surgiu algures num passado obscuro e distante e que continuará a prolongar-se pelo futuro, pois o Déjeuner sur l’Herbe também já serviu de modelo a trabalhos mais recentes. E o caso não é excepcional. Todas as obras de arte, seja onde for – incluindo obras como a Cabeça de Touro de Picasso -, estão ligadas às suas antecessoras por elos semelhantes. Se é verdade que “nenhum homem é uma ilha”, o mesmo se pode dizer das obras de arte. O conjunto destas cadeias forma uma espécie de teia, a que damos o nome de tradição, na qual cada obra ocupa um lugar específico. Sem tradição (ou seja, “o que nos foi transmitido”), nenhuma originalidade seria possível, pois é ela que proporciona ao artista a plataforma segura que lhe serve de trampolim para a imaginação criadora. E o que ele venha a fazer servirá, por sua vez, de ponto de partida para outros.
Quer percebamos isso ou não, também para nós a tradição é essencial, pois nela assentam as estruturas mentais onde se formam os conceitos, juízos e opiniões a respeito da arte. Mas não nos devemos esquecer de que os nossos juízos devem estar sempre sujeitos a uma revisão constante. Para que conseguíssemos chegar a ter uma opinião definitiva, teríamos de abranger todos os elos de cada cadeia numa visão de conjunto. E isso estará sempre fora do nosso alcance.
Se a originalidade é o que distingue a arte do artesanato, a tradição é o terreno comum a ambos. Cada artista que desponta começa por trabalhar no plano do artesanato, imitando obras anteriores. Desta maneira, vai assimilando gradualmente a tradição artística do seu tempo e lugar até conseguir possuí-la com segurança. Mas apenas os verdadeiramente dotados passam além desta fase de simples perícia artesanal e se tornam criadores por direito próprio. Ninguém, afinal, pode ser ensinado a criar; quando muito, ficará conhecendo os processos da criação. Só o artista com algum talento chegará a realizar obras originais. O aprendiz ou estudante de belas-artes aprende as técnicas e talvez a perícia manual – os meios consagrados de desenhar, de pintar, de gravar, de compor – e os modos consagrados de ver.
Se se aperceber de que os seus dotes para a pintura, a escultura ou a arquitetura são limitados, é provável que acabe por se encaminha para qualquer desses inúmeros domínios especiais, conhecidos pela designação geral de “artes aplicadas”. Aí poderá exercer uma atividade frutuosa em escala mais modesta: ser um ilustrador, um tipógrafo ou um decorador; desenhar padrões têxteis, louças, mobílias, vestuário, cartazes, etc., atividades situadas em algum lugar entre a arte “pura” e o simples artesanato. Apesar de proporcionarem oportunidades para realizações originais, o fluxo do esforço criador ficará sempre delimitado por certos fatores, como o custo e disponibilidade dos materiais e dos processos de fabricação, ou pelas idéias correntes acerca do que pareça mais conveniente e desejável, porque estas artes “aplicadas” estão profundamente ligadas às necessidades cotidianas e, por isso, dirigem-se a uma clientela muito maior que a da pintura ou da escultura.
A finalidade das artes aplicadas é embelezar o útil, sem dúvida um propósito importante e respeitável mas de nível inferior ao da arte propriamente dita. Às vezes, no entanto, torna-se difícil estabelecer a linha de separação entre esta e as outras. A pintura medieval, por exemplo, é, em larga medida, arte aplicada, pois serve para dar beleza a superfícies de caráter utilitário: paredes , páginas de livros, janelas, mobiliários, etc. O mesmo se pode dizer de numerosas esculturas antigas e medievais. E os vasos gregos, como teremos ocasião de ver, apesar de tecnicamente se encontrarem incluídos na olaria doméstica, foram muitas vezes decorados por artistas de espantoso talento. Na arquitetura é impossível manter a distinção, pois a planta e a elevação de qualquer edifício, desde a casa rústica à catedral, refletem as limitações externas impostas pela localização, preços de custo , materiais , técnicas, bem como pelas finalidades práticas da obra, etc. (a única arquitetura “pura” é a arquitetura imaginária). Deste modo, teremos de considerá-la, por definição, como uma arte utilitária ou “aplicada”, sem deixar por isso de ser uma arte “maior” (por oposição às artes aplicadas, industriais ou decorativas, que se designam , em conjunto, como artes “menores”)
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